A casa paterna de Cibele Paradela
“Quero trazer à memória aquilo que me pode dar esperança” – Lamentações de Jeremias 3.21.
Estive em Juiz de Fora, onde meu primo comemorou os 15 anos de vida de sua filha.
Quando entramos na cidade, ali pelo Salvaterra, decidimos passar por Santa Luzia, para ver a casa dos meus pais, onde moramos por muitos anos, e que foi vendida em 2007. Paramos o carro ao lado da mesma lojinha, onde os netos de meus pais iam o tempo todo comprar balas, chicletes, estalinho, e um monte de besteiras. Minha mãe sempre dava um dinheirinho para as crianças. É a lojinha do Armando. A lojinha continua igual ao que era, os donos são os mesmos. Descemos do carro, senti minha filha de 18 anos emocionada, lembrando da infância. Tiramos muitas fotos.
Ao lado fica a casa dos meus pais, onde fomos tão felizes por 30 anos. Segurei a emoção e fui disposta a conversar com o dono, para entrar na casa. De repente, reparo melhor, demoliram a metade da casa. O que restou, virou loja, que vende material de construção. Entrei, o dono perguntou se eu queria alguma coisa.
Expliquei a ele que morei lá por muitos anos, e que queria ver o quintal. Ele foi supergentil, e me deixou com acesso livre.
Primeiro, entrei na loja e fiquei muito mexida, olhando aquele piso, meio sujo de cimento. Era o quarto dos meus pais, com um pedaço do meu quarto e da sala. Contei para o atual dono que a minha mãe tinha escolhido aquele piso na reforma. E ela sempre se orgulhou disso, pois administrou tudo sozinha. Meu pai ainda era vivo, mas estava paraplégico, devido a uma trombose que teve aos 64 anos de idade. E o piso era muito elogiado. Contei para o dono que, já no final da vida, muito esquecida, minha mãe ficava nos pedindo para levá-la de volta para a sua casa. Ela queria voltar para a casa dos seus pais.
Foi aí que descobrimos que era só mostrar o piso para ela e dizer:
– Mamãe, a senhora está na sua casa. Olha este piso, quem escolheu? Ela rapidamente recuperava a memória, batia palmas, e dizia:
– Ah, meu Deus, fui eu! É muito bonito, né, minha filha?
Eu dizia:
– Claro, mamãe, é lindo.
Os rapazes da loja ouviam bem atentos. Eles, assim como aquela rua toda, conheceram minha mãe.
Fiquei paralisada, olhando para o piso, viajando no passado. Pensei: Por isso é que não gosto de voltar a Juiz de Fora.
Tive muitas perdas nessa cidade: meu irmão, aos 31 anos (eu tinha 26), meu pai, minha mãe, e nosso cachorro Zorro, que viveu mais de 19 anos. Era um pastor alemão. Todos, naquela casa...
Recuperei-me e pensei: Como fomos felizes nesta casa. Como tive e tenho amigos em Juiz de Fora.
Criei coragem, e com a família que viajava comigo, entramos no quintal e fomos ver a parte demolida. Cadê o banheiro? Só tinha uma parede. A cozinha estava intacta. Até o filtro de barro, que era nosso, eles estavam usando.
No quintal, encontrei a corrente do Zorro, que é usada no cachorro que vive lá agora. Cadê o pé de figo, de laranja, de caqui, as bananeiras, nosso cantinho medicinal com as ervas, a pequena horta? O dono precisou derrubar tudo para montar o seu negócio.
Eu, minha filha, irmã e sobrinha, ficamos um tempo olhando aquilo, caladas. Quantas histórias vivemos naquela casa. As mesas fartas de lanche, o queijo Minas, tão apreciado pela minha mãe.
Quantos aniversários, quantos cultos, quantas partidas intermináveis de war, quantas serenatas fizemos naquela janela no dia dos pais, das mães, da Ressurreição e Natal...
Lembro-me do meu pai pegando sol, na cadeira de rodas, e a gente ao redor dele rindo, conversando, ele participando de tudo, só não podia andar.
Ele morreu lúcido, com 81 anos de idade.
Minha filha perguntou:
– Mãe, como você consegue olhar e não chorar?
Falei para ela que cresci ouvindo a minha mãe dizer:
“Tudo nesta vida passa, minha filha”.
E com esse pensamento, eu observava tudo.
Fiquei atônita, mas pensando em como fui feliz lá, e como sou agora com a nova família que construí, com meus dois filhos, e outros amigos que ganhei depois que saí daqui.
Outra coisa que aprendi com a minha mãe era olhar sempre o lado bom de tudo.
Fixei os pensamentos nessa direção.
À noite, mais emoção: recepção no salão da Igreja Metodista Central, reencontro com uma tia que eu não via havia 30 anos. Encontros de primos, muitas fotos, muitas risadas. Mais recordações do passado. Sobre a Igreja Central, eu poderia escrever um livro, por tudo que vivi ali.
É isso, gente, Juiz de Fora mexe muito com as minhas emoções. Tenho procurado pensar na minha vida hoje, e não deixar que essas lembranças me deixem arrasadas. Como diz a Bíblia, “Tudo tem o seu tempo”. Tem um tempo de se ter a casa paterna, outro tempo para construir a sua e abrigar os seus filhos. Mas pai e mãe, a gente nunca esquece. E quando se percebe que nem a casa existe mais, é certeza e evidência de que acabou mesmo.
Chegando à minha casa, aqui no Rio, não pude desanimar. Fiz almoço para os meus dois filhos e dois amigos, comprei sorvete.
Minha casa estava alegre e movimentada com esses jovens, como sempre foi a casa de meus pais!
É a vida que segue!